“Um presente para Jonathan”, de Cícero de Pais, é selecionado em segundo lugar

 

O poeta, contista e cartunista Cícero de Pais teve seu conto “Um presente para Jonathan” selecionado em segundo lugar no II Concurso de Contos de Natal promovido pela Associação de Amigos da Biblioteca Pública, a AABiP. Cícero mora em Ourinhos, tem vários livros publicados e foi selecionado diversas vezes no Mapa Cultural Paulista.

Confira o conto de Cícero de Pais:

 

Um presente para Jonathan

     

 

Ele não entendia aquela confusão multidinária: homens, mulheres e crianças andando de um lado para outro, apressadas, carregando pacotes e sacolas coloridas.

Sabia apenas que era época de Natal, uma data em que o comércio vendia muito, e ele, Jonathan - podemos chamá-lo assim? - estava ali para cumprir a sua missão, como determina a Lei.

            Sabia que era preciso ficar bem alerta, pois os gatunos aproveitavam aquele burburinho de gente para atacar os mais frágeis e idosos, roubando-os sem piedade.

Jonathan era bem rápido e pegava os fora da lei imobilizando-os com sua arma de laser e depois os meliantes eram jogados nas celas imundas, sem direito a banho de sol ou outras regalias reservadas apenas aos bandidões de colarinho branco.

            Ontem mesmo, na véspera de Natal, Jonathan ouviu um pedido de socorro e disparou cinco poderosos choques contra um adolescente que havia furtado a bolsa de uma jovem senhora. O garoto não resistiu ao ataque e caiu aos seus pés.

      - Está morto! - disse um dos paramédicos contratados pelo shopping, e Jonathan, sem remorso, retornou ao seu ponto de observação, no alto de um pequeno tablado, de onde podia observar tanta gente em busca da felicidade que o dinheiro pode comprar, em muitas e suaves prestações.

          Os dramas, os sonhos e os desejos humanos não interessam ao herói dessa história que se repete como farsa, nos dias loucos em que vivemos. Jonathan é apenas um guarda-robô e está sempre ali na entrada do shopping para defender os que vendem, compram e fazem girar o mundo maravilhoso das propagandas natalinas.

Esforçado, Jonathan até aprendeu a cantar Noite Feliz, com aquela voz metálica e quase humana dos robôs de quinta geração produzidos no ano da graça de 2027. Hoje, enquanto todos estão comemorando o dia mais feliz do calendário, nosso herói está de folga, imóvel, no depósito do shopping em que ele trabalha sete dias por semana. Ele não precisa comemorar nada. É apenas um ser criado à nossa imagem e semelhança e cumpre o seu papel com extrema eficiência. Jonathan - podemos chamá-lo assim? - não merece um belo presente pelos serviços prestados?