Entrevista com Jefferson Del Rios

 

“Ao longo dos anos vi Ourinhos crescer em atividades culturais e artísticas”

 

O escritor ourinhense Jefferson Del Rios Vieira Neves volta a Ourinhos como autor local homenageado do Festival Literário A(o)gosto das Letras. Apesar de ser lembrado entre os ourinhenses como o autor de Ourinhos: memórias de uma cidade paulista (1992), Jefferson é um dos principais críticos de teatro do Brasil e publicou também os livros Bananas ao vento – meia década de cultura e política em São Paulo (Senac, 2006), que apresenta um panorama da vida cultural paulistana entre 1966 e 1971 e Crítica Teatral (2010), volume que integra a Coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Como crítico escreveu para as principais revistas e cadernos de cultura do país. Foi apresentador do programa de entrevistas Estúdio Brasil, exibido pela TVA-SescTV. Em Ourinhos ele participará de uma conversa literária ao lado do escritor Ignácio de Loyola Brandão. Confira a entrevista exclusiva que Jefferson Del Rios concedeu ao Tertuliana.

 

Tertuliana - Dois volumes da Coleção Aplauso publicaram textos de sua autoria sobre espetáculos de teatro encenados na época da ditadura. Como foi a experiência de escrever sobre espetáculos como “Hair” ou de autores como Plínio Marcos numa época em que a censura era tão rigorosa?

Jefferson – A Censura não se mostrou especialmente preocupada com a crítica de cultura em jornal. Estava mais atenta ao noticiário e artigos políticos. Mas tínhamos de nos cuidar com as palavras. É só ouvir Ellis Regina em “O Bêbado e A Equilibrista”. Todo clima pesado, todos os subtendidos estão na letra de Aldir Blanco.

 

Tertuliana -  Durante a programação do Festival Literário A (o) Gosto das Letras você divide com Ignácio de Loyola Brandão a conversa literária com o tema: “Literatura e resistência”. Tanto você como Loyola escreveram sobre o período da ditadura. Escrever é uma forma de resistência?

Jefferson – Escrever pode ser sempre uma forma de resistência. Os grandes romancistas sociais falaram do seu tempo criticamente. Em jornalismo também se pode conseguir o mesmo, embora a ficção – como a de Ignácio de Loyola Brandão - seja mais duradoura.  Como crítico e jornalista fiz de tudo numa redação.  Como crítico dedicava especial atenção aos espetáculos perseguidos.  Como jornalista, sempre que possível, entrevistava intelectuais ou políticos visados pelo regime.

Tertuliana – Conte como foi feita a pesquisa para escrever “Bananas ao vento” e “O teatro de Victor Garcia”. Você teve dificuldades em pesquisar o universo da música em “Bananas ao vento”?

Jefferson -   Aprendi muito ao escrever “Ourinhos- Memórias de uma Cidade Paulista”. É bem trabalhoso lidar com fatos antigos, pouco documentados, reconstituir ações de pessoas que já não estão aqui.  Usei a experiência ourinhense ao refazer a vida errante do diretor teatral argentino Victor Garcia (1934 – 1982) que andou por sete países criando obras primas. Já “Bananas ao Vento” foi contar a minha geração.  Quando falei com Chico Buarque, por exemplo, tínhamos lembranças e amigos comuns.  Eu estava nos bastidores dos acontecimentos como os Festivais de MPB no Teatro Record, estava lá quando “A Banda”, “Disparada” foram cantadas a primeira vez. Frequentava a casa do Geraldo Vandré, Maria Bethânia em início de carreira era minha vizinha na Bela Vista. Encontrava Plinio Marcos quase todo dia.  O mesmo acontecia nos teatros, passeatas, jornais alternativos. Estávamos todos juntos e havia uma grande energia jovem apesar da ditadura. Depois, sobretudo entre 1971 e 1975, tudo ficou sombrio e perigoso.  Por este lado indiretamente autobiográfico, “Bananas ao Vento” é o testemunho sobre um tempo que vivi intensamente. Foi prazeroso escrever.

 

Tertuliana - Apesar das facilidades de leituras na internet e a implantação de bibliotecas escolares ainda temos muitas dificuldades em formar e conquistar novos leitores. Como encarar essa dificuldade?

Jefferson -  Como um problema grave e internacional. A neurociência e outras áreas do pensamento (sociologia, o sistema universitário, os educadores) terão de achar soluções.  Há de um lado as maravilhas da comunicação instantânea e fácil e de outro uma idiotizarão virtual. Estes aparelhos estão criando “uma vida de segunda mão” como diria Millôr Fernandes.

 

Tertuliana -  Vivendo tantos anos longe de sua cidade natal, como você vê Ourinhos hoje?

Jefferson – Ourinhos é para sempre. Minha reserva afetiva, é toda a infância e início da juventude. Meu avô, José das Neves, e tios são nomes de ruas. A família Neves, que realmente diminuiu, foi bastante conhecida. Ainda encontro quem se lembre da “Casa dos Lavradores”, armazém do meu pai, João Neves (1913 – 1973). Meu primo José Carlos Neves Lopes criou um excelente Blog sobre a história local (ourinhos.blogspot.com).  Nunca me afastei da terra natal, fiz política aí na eleição de 1982, escrevi sua história. Ao longo dos anos a vi crescer em atividades culturais e artísticas importantes como os festivais de música, dança, teatro, o Cineclube LUME e o Agosto das Letras. Igualmente noto problemas, as carências.    Como ninguém se perde no caminho de volta, de tempos em tempos reapareço para os velhos amigos,   meus primos, conhecer gente nova e rever o Jaracatiá da praça.

 

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