RICARDO HERZ

Pela primeira vez o Festival de Ourinhos vai oferecer o curso de Violino Popular. Para esta tarefa foi convidado o violinista, compositor e arranjador Ricardo Herz, músico de sólida formação que criou um estilo muito próprio onde soma todas as suas experiências, da música erudita ao forró, da improvisação do jazz e do choro à MPB e outros ritmos brasileiros.

Graduado em música pela USP, Herz também estudou na Berklee College of Music em Boston, EUA e no Centre des Musiques Didier Lockwood em Paris, França, onde deu aulas de música brasileira. Durante nove anos morou em Paris onde, além de seu trabalho solo, integrou a Orquestra do Fubá, com o grupo Tekerê e com o Terça Feira Trio.

De volta ao Brasil, prepara o lança-mento de seu quarto CD, Aqui é o meu lá, com composições próprias que tem tocado em seus mais recentes shows. Ainda neste ano, participa dos projetos Rumos do Itaú Cultural e Telefônica Sonidos, além de ter realizado uma série de shows com a Orquestra Jazz Sinfônica e Dominguinhos.

O Balaio Cultural conversou com ele, confira:

 

Você realizou uma série de apresentações com Dominguinhos e a Jazz Sinfônica. Dominguinhos é o herdeiro musical de Luiz Gonzaga, como foi este trabalho com ele que traz toda essa bagagem musical do nordeste popular? Foi a primeira vez que vocês tocaram juntos?

Tocar com o Dominguinhos é muito emocionante. Ele não só é o herdeiro do Luiz Gonzaga, como é também um dos maiores músicos do mundo. Ele soube usar toda a bagagem da música nordestina que ele tinha e unir isso com diversos outros universos que ele encontrou na vida: a bossa nova, a MBP, o jazz, o choro... E isso com o maior bom gosto. É impressionante... quando ele encosta na sanfona, sai uma frase linda. Isso sem falar na voz! A primeira vez que eu fiz alguma coisa com o Dominguinhos foi na gravação do meu primeiro disco, que ele participou, na música Céu (autoria minha e do Ricardo Teté). Isso já foi demais. Depois, tocamos juntos convidados da Orquestra Tom Jobim, do maestro Roberto Sion. E agora, neste ano fizemos a abertura da temporada da Jazz Sinfônica. É uma honra pra mim poder dividir o palco com esse mestre.

Quando desenvolveu o Baião, Luiz Gonzaga dificilmente deve ter imaginado uma formação com zabumba, tri-ângulo, sanfona e VIOLINO. Como é inserir este instrumento tido como "erudito" na música popular do nordeste do Brasil?

O violino realmente não é um instrumento difundido na música popular brasileira. Mas em vários tipos de música, como a celta, a americana, a cigana, a idiche, ele é um instrumento popular. O ensino do violino no Brasil é quase que exclusivamente voltado para a música erudita, mas isto não quer dizer que ele não seja um instrumento que possa "suingar". No nosso país, temos a rabeca, que é, uma espécie de violino rústico. Para tocar o forró, eu me inspiro um pouco no som dela, mas não só, dela. Eu gosto muito de imitar o som do pife, do cavaquinho e, claro o resfolengo da sanfona.

 

E o contrário, existe dificuldade em ser aceito no meio "erudito" mesmo possuindo uma sólida formação musical?

Antes de mergulhar no universo da música popular brasileira, eu estudei musica erudita até o final da faculdade e toquei diversos anos em orquestras, tanto de câmara como sinfônicas. Depois que eu fui estudar fora, saí praticamente do meio erudito. Não dá pra fazer tudo bem, né? Agora que eu voltei a morar no Brasil, voltei a ter contato com meus colegas do violino, e acho que o pessoal acha legal o que eu faço. Ainda tem pouco tempo que eu voltei, mas um dos meus objetivos é difundir cada vez mais o violino popular brasileiro entre os alunos de violino.

 

Seu trabalho com o violino explora bastante o lado rítmico do instrumento, o que não acontece muito no violino para execução sinfônica. Essa é uma das características que você pretende trabalhar com os estudantes nesse curso de violino popular em Ourinhos?

Sim. Exatamente. Esse lado rítmico, quase percussivo do violino é uma das características principais do meu trabalho e essa abordagem a gente quase não vê na escola erudita. Na música popular vinda da dança, o rítmo é o principal. Sem o rítmo, nada funciona. Tudo parte dessa base. Você pode conhecer todas as escalas, arpegios, acordes, tocar super afinado... mas se você não "suingar", não funciona. Como disse o Duke Ellington: It Don't Mean a Thing (If It Ain't Got That Swing). Para a música brasileira é igual.

 

Além dos ritmos brasileiros como o forró e choro, você também agrega em sua sonoridade influências desses anos vivendo na França, como o jazz, por exemplo. Como isso se manifesta na sua criação musical atualmente? Conte um pouco sobre o disco Aqui é meu lá, é uma homenagem ao Brasil?

Esse disco vai ser sim uma homenagem ao Brasil. Como você bem disse, nas minhas composições eu tenho agregado várias influências. A da música popular brasileira é muito forte, mas tenho cada vez mais explorado rítmos diferentes, tradicionais ou não. Tenho também voltado a querer explorar o lado lírico do violino, juntamente com o rítmico. Agora que eu já provei pra mim mesmo que eu poderia fazer o violino ser um instrumento rítmico, me sinto mais livre pra usar este outro lado de novo. Não da mesma maneira, mas explorando sonoridades mais delicadas... O nome do disco vem de uma ou-tra parceria minha com o Ricardo Teté. O "La" do "Aqui é o meu lá" quer dizer tanto o lugar distante, como também a nota "lá", que é a referencia para a afinação, o "chão" do músico. Mesmo usando outras notas e tons, o Brasil é o meu lá.

 

Seu sobrenome é de origem judaica?

Se sim, conte sobre a influência dessa origem e da relação com as artes dentro da sua formação musical, se houver.

Meu sobrenome "Herz" quer dizer "coração" em alemão (meu outro sobrenome "Steuer, quer dizer "imposto"!). Meus quatro avós são judeus alemães que chegaram ao Brasil fugidos do holocausto. É engraçado. Como minha vó sempre diz: os judeus alemães eram mais alemães que os próprios alemães. Nós não ouvíamos muito música klezmer*, não. Em casa minhas influências musicais foram as mais diversas: Meu pai adora música clássica, minha mãe, MPB. Eu, por conta de estudar violino desde pequeno, ouvia muitos concertos clássicos, mas ouvia rádio também, rock nacional, Michael Jackson. Minha mãe, por me levar muito a concertos, começou a gostar do clássico também. Hoje ela adora. Eu, a partir do colegial, comecei a ouvir muita MPB, forró. Depois instrumental, jazz... Os judeus sempre foram muito ligados e, muitas vezes grandes  patrocinadores das artes. Meus pais e família sempre me incentivaram muito nas minhas escolhas. Talvez isso seja a in-fluência judaica na minha formação musical.

 

*A música Klezmer encontra as suas origens na tradição judaica das aldeias da Europa do Leste e é tocada para celebrar grandes festas e cerimônias.

 

Tertuliana DOCS
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