Em cima do túmulo com a porta aberta e a tampa de ferro apoiada na lateral, uma pilha de tijolos aguarda. (As entradas para os caixões devem ter a mesma medida, pensei, pois até os meio-tijolos estão ali já cortados e empilhados). O coveiro se mexe com graça, movimentos acompanhados pela platéia muda. Na sola do sapato está grudado um pedaço de tira plástica azul. Começa o balé: O homem pega um tijolo inteiro, besunta com uma pá de cimento e coloca no vão. Volta, pega outro tijolo, lambuza com cimento e coloca ao lado, formando uma fileira. Em poucos minutos a primeira etapa do descerramento da luz está concluída. O homem segue arcado, pernas esticadas na incômoda posição, e o pedaço de plástico azul dança conforme as pernas se movimentam para a esquerda pegando o tijolo, e para a direita, voltando para o recheio de cimento. Outra fileira. Ficando mais escuro lá dentro. A platéia hipnotizada, pensando o que? O coveiro não olha para as pessoas, nem deve pensar que está separando para sempre um corpo da claridade dos dias – talvez se imagine como um pedreiro, trabalhando numa obra – são tantos os defuntos. Os meio-tijolos se encaixam na derradeira fileira. Para arrematar, enche a pá e joga o cimento com mais força sobre a parede de tijolos nus, que é alisada com capricho, sem pressa, igual cobertura de bolo. As pessoas se dispersam. O coveiro alisa a parede da nova casa do morto, e enxuga o suor com a costa da mão. Nem percebe a tira azul grudada na sola do sapato gasto, dançando livre sob o sol de abril.