Nelsinho entrou esbaforido dizendo que estava atrasado porque o despertador não tocou. Só acordou com o barulho do frango que viraria o almoço daquele dia, esperneando inutilmente, tentando continuar vivo. Achei graça na história. Em primeiro lugar porque pensei que um menino da geração dele não vivenciasse essa experiência, de ver o frango ser morto, depenado, chamuscado na chama do fogão, etc. Principalmente porque ele mora no Jardim Paulista, e imaginei (erroneamente) que quem não tem quintal em casa nem quer passar pela experiência trabalhosa que é matar e limpar um bicho desses comprasse pacotinhos congelados dos ditos bípedes. Alguns vêm até temperados, e são bem bons. Mas a empregada da casa matou o frango puxando o pescoço, e o pendurou de cabeça para baixo no guidão da bicicleta do Nelsinho. Que dormiu demais, saiu correndo para pegar a bicicleta e… deu de cara com o frango ali pendurado. Ainda bem que foi com ele, que chegou rindo com a história. Eu não gostaria nada de acordar e ver um frango meiomortomeiovivo ainda quente perto de mim
A verdade é que eu não gosto de frango, nem vivo nem morto. Mas confesso que quando passo em padarias ou bares que têm aquela churrasqueira (TV de cachorro) e sinto o cheiro de frango assado, acho ótimo. Sei que é frescura, mas fazer o quê.
O Nelsinho me lembrou que não faz muito tempo, quando não existia nem supermercado – e muito menos Procon ou data de validade nos produtos – os frangos tinham que ser mortos em casa mesmo. A maioria das famílias tinha um galinheiro para consumo próprio. Na minha casa não tinha, e minha mãe comprava de vendedores que passavam nas ruas, carregando os bichos de ponta cabeça. Eu ficava assistindo ao assassinato do frango ou da galinha, morrendo de dó e de medo, achando que minha mãe era muito corajosa. O pobre bichinho, depois que lhe puxam o pescoço, fica uns minutos estrebuchando e pulando, recusando-se a morrer. Então minha mãe colocava uma bacia de alumínio em cima do pobre, aquietando-o e anunciando a escuridão que estava por vir. Eu nunca matei um, e espero não ter que fazer isto.
O frango então recebia água fervendo, para facilitar o arrancar de penas – que, quentes, exalavam um cheiro muito sem graça. Depois, nuzinho, era levado ao fogo para queimar as penugens que porventura ainda resistissem. E só depois é que vinha a parte mais interessante e aguardada, e que provocava reunião de irmãos em volta da pia: a hora da autópsia. Eu ficava assistindo as explicações da minha mãe ou da empregada sobre a moela, os pulmões, o coraçãozinho, etc, e fazendo um tanto de perguntas. Mas nada era mais emocionante do que encontrar ovinhos que nunca seriam botados, miniaturas daqueles que conhecíamos, que acabavam comidos nem sei como, talvez nas canjas de antigamente. E eram disputados entre todos, como os ovos de duas gemas, coisa que às vezes acontece. Comia-se todo o bicho: pés e cabeça também, coisa que hoje soa meio estranho.
Como não é coisa que acontece todos os dias, matar um frango para se comer no almoço é um acontecimento e tanto.