O perfume de malva-cheirosa vinha da muda plantada em uma lata de tinta, apoiada na janela de madeira. O quarto não tinha forro, e quando chovia muito, das telhas porosas pingava uma nódoa suja.
Aquele ano o inverno estava rigoroso, e o cobertor azul marinho não era suficiente. Gostava de dormir de encontro à parede, sentindo o cheiro do tijolo. Mesmo sozinha, ficava daquele lado encolhida, a cama sobrando e a dificuldade em alcançar o interruptor no escuro.
A noite era de não-dormir, e os olhos passeavam pelo avesso das telhas, tentando ler sem óculos as palavras moldadas em meio à sujeira. “Telha romana”, mas podia ser francesa. Ou russa, o escambau, tanto faz, pensou, enfiando as mãos entre as pernas com frio.
Foi quando percebeu uma coisa estranha na parede mal pintada, cheia de imperfeições que conhecia de cor, de noites como aquela: (escorrido encardido de chuva, pernilongos amassados, marcas de prego, uma ou outra traça ou sujeira). Apertou os olhos míopes, uma coisa branca se movia na parede. Parecia uma barata, mas não tinha certeza. Pensou em cobrir a cabeça e esquecer, mas não conseguiria. Frio para levantar e buscar na cozinha o veneno em spray. E depois, ficaria aquele cheiro. Pregou os olhos no inseto, medo que se confundisse com a parede e se perdesse dela. Pensou em suas coxas brancas, umas veiazinhas azuis aqui ou lá, não lembrava direito onde, acho que atrás dos joelhos e na esquerda, do lado de dentro. Agora sabia mais da parede e das patinhas da barata albina, presas em seus olhos insones. Ela se mexia devagar, mas não saía do lugar. Dancinha solitária com leve requebrar do traseiro. Abriu umas asinhas tímidas, frouxas, quase transparentes, numa tentativa frustrada de vôo. Lembrou de ter lido em algum lugar que as baratas mudam de casca. Aquela ainda estava nua, pensou, solidária.