ENFIM, MÚSICA NAS ESCOLAS OUTRA VEZ!
Na década de 30 a carreira internacional de Heitor Villa-Lobos fluía muito bem. Ao ver, porém, a expansão dos meios eletrônicos de massa, o rádio e gravação de discos, apaixonado pelo Brasil como era, resolveu permanecer aqui para iniciar um projeto de ensino musical nas escolas. Pretendia, assim, proteger nosso povo de um possível ataque maléfico dessa emergente indústria da cultura, que ele chamava de música de repetição. Dizia, não com estas palavras, que o brasileiro deveria ser municiado de informações musicais sólidas, pois poderia ficar refém dessa máquina, seguramente mais preocupada em comercializar seus produtos do que prestar serviços à cultura nacional. Não se tem noticias de um raciocínio tão coerente e premonitório como esse, sobretudo quando se observa a realidade cultural atual. Esse bombardeio via satélite, promovido por uma indústria cultural que se expande na mesma proporção que baixa o nível artístico de sua produção, ocorre internacionalmente, direcionando o público no sentido de um frenético “consuma e descarte”, que, tratando de bens comuns pode funcionar, mas, quando aplicado à criação artística, promove verdadeira devastação na sensibilidade humana.
Inicialmente apoiado pelo interventor federal em São Paulo, tenente João Alberto, Villa fez uma longa viagem ao interior de nosso Estado – carregando um piano consigo! –, iniciando uma verdadeira caravana em prol da divulgação e do ensino de uma música de qualidade. Com o bom resultado dessa experiência/aventura, o grande educador Anísio Teixeira, Secretário de Educação do Rio, criou para Villa uma Superintendência da Educação Musical e Artística. Próximo do poder central, Villa fez seu projeto chegar a Getúlio. O ditador, encantado com as manifestações de massa do ufanismo patriótico nazi-fascista da Europa, viu nas concentrações corais de Villa o instrumento ideal para promover algo semelhante no Brasil. Assim, decretou a obrigatoriedade do ensino musical no País. Em seguida criou-se o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, para a formação de professores, o qual Villa dirigiu até sua morte em 1959.
Por mais que se possa ter criticado componentes daquele projeto, o Canto Orfeônico prestou inestimáveis serviços à formação do brasileiro. Com a criação do Guia Prático, harmonização de 137 cantos populares das diversas regiões, Villa fazia com que o Brasil se conhecesse através da musica e, ao vocalizá-los, que o jovem se auto-disciplinasse. Nessas aulas chegava ao jovem também a informação de um universo musical amplo, assim como o conhecimento da música dos grandes mestres.
Em 1972 o coronel Jarbas Passarinho, então ministro da educação e cultura, prestou um desserviço à Nação ao extinguir o ensino musical nas escolas, provavelmente temendo o poder feiticeiro, talvez “subversivo” da música. Nestes 36 anos não faltaram empenhos no sentido de trazer de volta o ensino musical ao jovem, já que essa forma de expressão é a que mais acompanha o ser humano na vida. Recentemente a sena-dora Roseana Sarney apresentou um projeto que alterava a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 96, propondo a obrigatoriedade do ensino musical nas escolas. Para surpresa geral, essa proposta foi aprovada rápida e unanimemente no Senado e na Câmara dos Deputados. No dia 18 de agosto o presidente Lula sancionou esse projeto de lei, dando 3 anos às comissões de ensino para se adaptarem às exigências pedagógicas estabelecidas nos artigos 1 e 2.
Surge agora o debate de como conduzir a criação de um currículo. Teme-se que comissões de endiabrados “alquimistas” se reúnam por décadas para a elaboração de um monstrengo pedagógico, enquanto outros, sabedores da urgência da aplicação desse ensino, optem pela criação de algo prático e imediato. Sou da opinião que se crie uma comissão mínima para debater o assunto, com apoio do Ministério da Cultura e se elabore um currículo prático e compacto de no máximo 10 páginas. Para que com ele, um músico de formação razoável – sem mil diplomas, licenciaturas ou mestrados! – possa entrar numa sala de aulas e exibir vídeos, CDs, fazer as crianças cantarem o Guia Prático, conhecer os hinos nacionais, tocarem instrumentos simples, talvez fabricados por eles mesmos, baseados nas experiências do método Carl Orff. Dessa forma pode-se abrir a mente dos jovens para muitas vivências sonoras e mostrar-lhes como é grande e colorido o mundo musical universal, bem diferente daquele que ele vê na TV.
E que se faça isso rapidamente, antes que o processo de imbecilização coletiva via satélite ganhe essa guerra.
Júlio Medaglia