Laranjal Paulista, fins dos anos 60 e princípios dos anos 70 do século passado. A Aninha ¾ Aninha é a Ana Júlia, lá daquela cidade, que foi minha namorada ¾ tinha uma tia já idosa, a tia Esmeralda, que meteu na cabeça que eu estava escrevendo um livro. A primeira vez que ela me perguntou como ia o livro (e o livro, vai indo bem?) eu não entendi direito, além do que estava com preguiça de falar, e perdi a oportunidade de perguntar que livro? e de esclarecer que não estava escrevendo livro nenhum.
Então, a coisa se complicou. A Aninha não sabia de nada. E nenhuma outra pessoa da sua numerosa família tocou no assunto do livro algum dia. Concluímos que a novidade surgira diretamente de dentro da cabeça da tia Esmeralda, sem qualquer estímulo externo.
Eu encontrava a tia Esmeralda umas três ou quatro vezes no ano, e todas as vezes era a mesma coisa: “como vai o livro?”. A pergunta nunca era feita na presença de outras pessoas, nem mesmo na presença da Aninha. Sem que fosse da minha vontade, percebi que se havia estabelecido entre mim e tia Esmeralda um pacto. Tornáramo-nos cúmplices: eu mantinha segredo do meu livro e ela também não contava nada a ninguém. Só nós dois sabíamos.
Mais de uma vez tive ímpetos de dizer à tia Esmeralda que não estava escrevendo livro nenhum... Que já me dava por muito feliz e satisfeito de ser capaz de ler os livros dos outros. Mas me continha, porque via no rosto da velha senhora o prazer de poder, só ela, compartilhar comigo aquele segredo e me interpelar discretamente sobre ele.
Eu sentia que tia Esmeralda tinha orgulho de mim. Como é que eu ia contar agora a verdade!? Decepcioná-la!?
O dia que tia Esmeralda morreu eu fiquei muito triste. Mas senti também um enorme alívio. Ninguém mais ia me interpelar sobre um livro que eu nunca pensara escrever.
Como costumava dizer minha mãe: que Deus dê um bom lugar para a tia Esmeralda.