O Footing

Crônica publicada na edição 46 do Jornal Balaio Cultural, dezembro de 2011


O footing

Sábado ao anoitecer. Um banho demorado e estimulante, a melhor roupa, os sapatos bem engraxados, a brilhantina esfregada nas palmas das mãos para amaciar os cabelos. O entusiasmo tomando conta da alma. O jantar, o sair e o caminhar alegre até a Praça Mello Peixoto. Era a década dos anos 1950, aqueles hoje conhecidos como Anos Dourados - a Rádio Nacional, os boleros, Frank Sinatra, Nat King Cole, Elvis Presley, Paul Anka, Pat Boone, Doris Day, Tony Curtis, James Dean, Sandra Dee, as orquestras do interior e os bailes, o cinema, a vida sem violência. A gente ia ao footing da praça encontrar os amigos e procurar por uma namorada. Tínhamos aí dezessete, dezoito, dezenove anos. No sonhar sem barreiras, o mundo era todo nosso.

 

Uma das minhas maiores saudades dos tempos passados de Ourinhos é o footing da Praça Mello Peixoto. Ele acontecia aos sábados e domingos à noite nas calçadas externas e internas da praça. Rapazes e moças tinham aí sua melhor oportunidade de flerte e início de namoro. Os jovens sem parceiros andavam no passeio externo. Nos passeios internos caminhavam os casais de namorados. Não havia a prática do ficar que existe hoje. Também não havia sexo antes do casamento. Casamento com todas as formalidades: juiz, padre, padrinhos, papel passado, convites e festa. E entre o namoro e o casamento ainda havia o noivado, com o devido uso de aliança no dedo anular da mão direita.

 

Componente indispensável do footing era o serviço de alto-falante pelo qual os jovens ofereciam músicas e mandavam pequenas mensagens aos seus flertes.

 

Nos primeiros tempos, o footing externo compreendia o caminhar por todo o perímetro da praça. Moças, aos pares, caminhavam num sentido, e rapazes, também aos pares, caminhavam no sentido oposto. Como se estivessem - e estavam - em exposição. Depois, a distância percorrida diminuiu pela metade: a calçada toda da parte voltada para a Rua 9 de Julho, metade da extensão da parte voltada para a Avenida Altino Arantes, e metade da extensão da parte voltada para a Rua Paraná.

 

Não demorou muito e o footing mudou de novo. Só as moças continuaram caminhando. Os rapazes passaram a ficar parados na rua, à beira da calçada. Finalmente, em seus últimos tempos, o costume se restringia ao caminhar das moças e ao estar dos moços unicamente na calçada da parte da praça voltada para a Rua 9 de Julho. As moças iam e vinham de uma esquina à outra. Diante do que fora, podemos dizer que chegamos ao little footing, último estágio antes do desaparecimento completo do velho e bom costume.

 

Forma singela e eficiente da sociabilidade, o footing tinha hora certa para terminar. Faltando dois ou três minutos para às 22 horas, a praça estava lotada; passados dois ou três minutos das 22 horas, a praça estava vazia. Só poucos e pequenos grupos de rapazes permaneciam um tanto mais, comentando a noite, os flertes, os inícios de namoro. O fenômeno ocorria porque os pais coincidiam em marcar as 22 horas para as moças voltarem pra casa.

 

Quem conseguiu uma namorada, ou pelo menos um flerte, voltava alegre e feliz. Quem não conseguiu nada, voltava esperançoso de que da próxima vez tudo seria diferente. O mesmo acontecia com as moças que procuravam o par sonhado.

 

Euclides Rossignoli

Dezembro, 2005

 

Crônica publicada no livro Ourinhos: Histórias e Memórias, de Euclides Rossignoli, lançado através do edital Prêmio de Fomento à produções culturais e oficinas criativas do programa VivOurinhos

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