Há algum tempo, sou incapaz de precisar quanto, já que os dias pra mim são sempre iguais, todas as pessoas da cidade desapareceram. Não sei explicar como isso ocorreu, num dia elas estavam lá, e no seguinte haviam simplesmente evaporado. Não há na cidade qualquer sinal de violência, epidemia, cataclismo, que possa explicar o ocorrido.
Apenas eu restei. A princípio fiz algumas caminhadas pelos bairros mais distantes da cidade, a fim de certificar-me que não havia mesmo mais ninguém. Não havia. Em todos os bairros, as ruas vazias, as casas fechadas, alguns carros esquecidos no asfalto, a grama crescendo nos jardins. Até mesmo os cachorros, gatos, insetos; todos sumiram sem nenhum vestígio. Não fui capaz de encontrar nenhum cadáver, humano ou não, em minhas andanças.
Então, tendo em vista essa nova realidade, decidi continuar levando minha vida, na medida do possível, da mesma forma que sempre levei. Afinal, pensando friamente, pouco ou nada mudara na cidade. Não houvera qualquer tragédia ou algum grande dano, a cidade continuava a mesma de sempre. Vou ao trabalho, sento-me diante do caixa e ali fico até as 6 da tarde, embora não haja mais nenhum cliente ou supervisor. Vou para a faculdade, sento-me na sala de aula vazia e ali permaneço até o término da aula que não está sendo ministrada. Chego em casa tarde, ligo a tv e fico assistindo à estática enquanto janto. Pouco, afinal, mudou em minha vida.
Nos primeiros dias cheguei a pensar em deixar a cidade em direção a alguma das cidades vizinhas. Entretanto, percebi que essa manobra não faria sentido. Em qualquer cidade do mundo, habitada ou não, eu estaria levando exatamente a mesma vida. Então, para que me deslocar? Não seria melhor permanecer aqui mesmo, num terreno já tão conhecido, sobretudo agora que a cidade está tão tranquila e silenciosa?
Ainda nos primeiros dias tentei descobrir uma resposta racional para o desaparecimento em massa. Nada pude concluir, mas não fiquei chateado. Entender as causas torna os efeitos mais palatáveis?
Há algum tempo, após o incidente, sou incapaz de precisar quanto, os dias para mim são todos iguais, vi uma pessoa ao longe. Caminhava rua abaixo, de costas para mim. Meu primeiro ímpeto foi gritar por ela, correr, alcançá-la. Mas então percebi que nada teria para dizer-lhe, e nem ele a mim. Fui para outra rua e não sei o que foi feito do estranho.
Foi a última vez que eu vi alguém. Desde então, continuo vivendo praticamente da mesma forma que sempre. Já nem mesmo me lembro como era antes, quando a cidade pululava de gente e bichos. Na verdade, é bastante possível que ela sempre tenha sido assim, deserta, e que as pessoas que aqui habitavam eram apenas delírio da minha parte. Teria eu finalmente acordado para a realidade?
Rigorosamente, acredito que a cidade esteja melhor assim. E confesso que às vezes tenho medo que as pessoas, súbito, reapareçam, tão inexplicavelmente quanto desapareceram.
Eduardo Furlan