As paixões de dona Tereza

 

por Marco Aurélio Gomes

 

Quem acompanhou os carnavais de rua de Ourinhos certamente se lembra da Escola de Samba da Vila Boa Esperança. A escola descia completa, com bateria e samba enredo na ponta da língua, figurinos caprichados, destaques e ala das baianas. Os ensaios e toda a preparação para o desfile movimentavam o bairro e exigiam organização. Nesse momento é que despontava a figura de dona Tereza Paixão. Antiga moradora do bairro, dona Tereza mobilizava pessoas, conquistava apoios e recursos para que a escola fizesse bonito no dia da apresentação.

 

Personagem conhecida no bairro, Tereza Paixão viveu sua infância numa época em que a paisagem da Vila Boa Esperança era composta por cafezais e pequenas chácaras. Foi numa dessas chácaras que viveu com a família e acompanhou todas as transformações do lugar onde vive até hoje. “Eram poucas casas e não existiam ruas”, lembra. Apesar das dificuldades, sobrava tempo para jogar bola e peteca com os irmãos, quase sempre dividindo espaço com os porcos, galinhas e cabritos criados pela família.

 

Da mãe e do padrasto ela guarda boas recordações: “Ele era muito atencioso e minha mãe era mais enérgica. Tinha medo de acontecer alguma coisa com os filhos”. Aliás, a mãe foi a mais resistente quando a filha resolveu casar com o namorado doze anos mais velho. Mas o descontentamento não foi suficiente para impedir o casamento. Tereza e Virgílio se casaram após vários anos de namoro; ela com dezoito, ele com trinta. Virgílio morreu aos cinquenta e três anos após sofrer um enfarte. “Foi um bom pai, se preocupava demais com as crianças”, afirma Dona Tereza. Para terminar de criar os filhos ela lembra que um dos trabalhos que encarou foi ser vendedora de produtos da Avon e do perfume Christian Gray.

 

Mas aquela moradora da Vila Boa Esperança ainda daria provas de que não carregava a paixão só no nome. Quando a associação de moradores do bairro foi criada lá estava ela envolvida com a organização da entidade. O filho Valdir foi presidente. Depois de conquistarem o terreno doado pela prefeitura, ajudaram a construir o prédio para a sede: “O Valdir construiu. Ele e a molecada aqui do bairro”. Mas a vida não era só trabalho. “Sempre gostei muito de dançar”, diz ela, recordando o tempo em que frequentava as festas juninas e os bailes promovidos pela associação.

 

O filho Valdir também estava diretamente ligado à outra paixão de dona Tereza; era ele  o diretor da bateria da escola de samba. Ricardo do Cavaco, amigo da família, era responsável pela criação do samba enredo. A filha Ângela saía como destaque e havia uma preocupação especial com a confecção da sua fantasia. Para a tristeza de dona Tereza, Valdir e Ângela faleceram precocemente num curto intervalo de tempo. Como lembrança ela ainda guarda peças e vestidos usados pela filha nos desfiles.

 

O diretor teatral e carnavalesco Sérgio Nunes é lembrado com carinho quando o assunto é carnaval. Referência para a cultura da região, Sérgio mantinha em seu trabalho uma estreita ligação com as manifestações populares. “O Sérgio foi um dos melhores, trouxe uma experiência muito grande pra gente. Brigava quando era preciso, mas fez muita diferença”, conta dona Tereza.

 

Foi pelas mãos da professora Neusa Fleury que Sérgio Nunes se aproximou da escola da Boa Esperança. “A Neusa foi uma das pessoas que mais ajudou a gente. Também ficava brava quando era preciso, mas sempre colaborou muito com a escola e com o carnaval de Ourinhos”, diz ela, sem esconder a gratidão pelo apoio recebido da ex-secretária de Cultura.

 

Mas a importância de dona Tereza para a Vila Boa Esperança vai muito além dos desfiles de carnaval. Com frequência saiu em busca de ajuda para algum vizinho que passava por dificuldades. “Sempre procurei ajudar as pessoas, e cheguei a ficar muitos dias acompanhando amigas que estavam internadas na Santa Casa”, lembra sem arrependimento. Para cumprir uma promessa feita em intenção da neta que enfrentava problemas para andar, por muitos anos o Dia de São Cosme e Damião era dedicado à distribuição de doces para a criançada do bairro. “Fazia isso com gosto, pois a graça foi alcançada”, lembra.

 

Tereza Paixão continua vivendo na Vila Boa Esperança. De todas as transformações que presenciou vivendo tantos anos no mesmo bairro, a que mais chama sua atenção é a falta de união entre os moradores. “Antes as pessoas se ajudavam, hoje é cada um por si”, constata dona Tereza.

 

Dona Tereza Paixão no sofá de sua casa