Maria Apparecida Coquemala é a vencedora do II Concurso Contos de Natal

“Equívocos de Papai Noel”, de Maria Apparecida S. Coquemala é o conto selecionado em primeiro lugar

 

A contista Maria Apparecida Coquemala é pedagoga e tem contos e crônicas publicadas em diversas antologias no Brasil e no exterior. Mora em Itararé/SP e por duas vezes conquistou prêmios em concursos promovidos pela UBE-Rio.

 

Equívocos de Papai Noel

 

            - Conte, mãe, o que você leu sobre Papai Noel?

            - Papai Noel não era chegado a festas, Laura. Não tinha por que. Por anos, tinha trabalhado na roça, morando numa tapera. À noite, podia apreciar a lua e as estrelas pelas frestas das tábuas, por onde entrava também o vento frio do inverno, enregelando braços e pernas sob cobertores ralos. Cultivava uma horta em permanente guerra com as formigas. Depois, na cidade, desempregado, morou de favor com mulher e filhos pequeninos, na velha casa emprestada de uma irmã. Até fome passavam. Conseguido um emprego, trabalhou anos carregando caixas pesadas, daí os problemas na coluna que o curvavam de dor. A mulher se fora para sempre, levada por uma gripe mal curada, filhos tinham-se espalhado pelo mundo. Morava sozinho num bairro distante. Naquele ano, querendo ganhar alguns trocados, apresentou-se para trabalhar como Papai Noel.

            - E que aconteceu, mãe?

            - Para enfrentar a perambulação da entrega dos presentes, bebeu alguns tragos no boteco da esquina. Como não era dado a bebida, ficou bebunzinho, equivocou-se e trocou por uma bola de plástico o moderno celular de um menino rico. O equívoco despertou a ira do menino. Papai Noel saiu chutado da mansão.

            - Depois, mãe?

            - Papai Noel voltou ao boteco, bebeu mais uns tragos, saiu cambaleando, saco de presentes às costas. Passantes zombavam da sua figura cômica, Naquela noite de tantos fogos, luzes, presentes, brindes, ele não tinha nada a comemorar, ninguém com quem confraternizar. Estava sozinho na sua velhice, no seu abandono, na sua pobreza... Sentou-se num banco da praça e chorou. Por insondáveis razões, até a caridade formalizada o ignorava. Em dado momento, cantou Noite Feliz, versos entremeados de hic, hic, hic...

            Papai Noel então se arrastou até a periferia e entregou ao menino pobre o pequeno celular que atuava em várias línguas, fazia contas, fotos, piadas, jogos, filmava... Uma criação da mais alta tecnologia, valendo uma pequena fortuna.  O menino chorou de tristeza. Ele nem sabia o que era um celular. Inconformado, perguntava:

            - Papai Noel, por que você não trouxe a bola que eu pedi?

            Papai Noel sentindo-se um traste arrastou-se até um viaduto e pulou lá de cima sobre os carros que passavam. Por coincidência, caiu bem em cima de um caminhão carregado de colchões, marca famosa, quebrando apenas um osso da perna.

            - E que aconteceu depois, mãe?

            Papai Noel tornou-se velhinho-propaganda da marca dos colchões. E a partir daí, tinha dinheiro para comprar centenas de bolas para presentear os meninos dos lares pobres, mesmo quando não era Natal.

 

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Luísa chega da escola, quer ouvir também a história, mas a mãe está  ocupada agora. É o pai quem conta, de má vontade:

            - Papai Noel não gostava de festa, Luísa, e odiava trabalhar. A mulher já tinha morrido por falta de recursos, filhos tinham sumido pelo mesmo motivo. Numa véspera de Natal, bebeu alguns tragos para enfrentar a preguiça de entregar presentes. Enganou-se e entregou ao menino rico o da criança pobre, uma bola de plástico. Recebeu e mereceu xingação e pontapé. Bebeu mais uns tragos, chorou, cantou, foi à periferia e entregou à criança pobre, o celular do guri rico, que chorava perguntando, por que você não trouxe a bola? Papai Noel reconheceu-se um traste, pulou de um viaduto, caiu sobre colchões cheios de percevejos, por acaso foi filmado, acabou velhinho-propaganda de uma marca de inseticida e pôde assim dar muitas bolas às crianças pobres. Fim.

 

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            Dudu, o filho caçula, conta ao coleguinha, a história ouvida em casa:

            - Zequinha, Papai Noel morava no boteco. Um dia, um tal de Destino roubou tudo que ele tinha. Até uma bola que ele trocou por um celular. Por isso, Papai Noel levou pontapé na bunda, que lá em casa eles chamam de bumbum. Se eu falar bunda, minha mãe me dá um tapa na boca. Papai Noel gostava de conversar com postes, nem ligava pro cheiro, porque cachorro sempre faz pipi no poste. Um caminhão levou ele morar no céu onde nunca tem percevejo nem formigas malvadas.

 

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Zulmira, a funcionária doméstica, conta à neta, a mesma história ouvida na casa dos patrões:

             - Era uma vez um Papai Noel que não gostava de festas, Lucinha, porque sua mulher tinha morrido, os filhos também, estava sempre sozinho. O coitado não tinha ninguém nem para conversar. Por isso, ia beber no boteco do amigo, mas só um pouquinho. Na noite de Natal encheu a cara porque ele estava mesmo muito triste, pois não aprovava bebedeiras. E porque já era velhinho e estava confuso, trocou o presente do menino rico pelo do menino pobre. Quando o malvado, o alma de capeta do menino rico viu a bola, deu um violento pontapé no pobre coitado que saiu chorando... E era tanta a dor que foi falar com as estrelas. Então as estrelas ensinaram o caminho para o bairro pobre e um menininho ganhou o celular que fazia de tudo, até receita de bolo ensinava. No começo chorou, ele queria mesmo sua bola, mas quando viu as belas coisas que o celular fazia, até parecendo mágico de circo, ficou muito feliz. Papai Noel também, e depois disso ficaram todos muito amigos e felizes para sempre. Uma fabricante de colchões até contratou Papai Noel e o menino pra pularem de um viaduto em cima dos colchões, mas eles não gostavam muito, só faziam pra comprar bolas para as criancinhas pobres.  Neste mundo, temos que ser bons com todo mundo e nunca esquecer que os anjos velam por nós. Um osso quebrado pode valer muitos anos no céu.