Carioca foi selecionado em terceiro lugar no Concurso de Contos de Natal

O conto “O envelope vermelho”, de Ricardo de Carvalho Gualda foi classificado em terceiro lugar no Concurso de Contos de Natal promovido pela AABiP e Ipê Editora de Ourinhos.  Ricardo mora no Rio de Janeiro, tem 43 anos e é redator de marketing direto. Premiado no Concurso de Contos de São Bernardo do Campo, foi finalista do Prêmio Machado de Assis 2013 (SESC-DF) e selecionado para publicação no 4º Concurso Microcontos de Humor (2014), realizado pela Prefeitura de Piracicaba. Leia abaixo o texto premiado:

 

O ENVELOPE VERMELHO

– É pra incinerar mesmo?

– É.

– Pena, né?

– Ano que vem tem mais.

As cartas para Papai Noel ocupavam grande parte do galpão. Estavam lá há mais de um ano, desde o Natal retrasado. Amassadas, amareladas, mofadas ou grudadas pela cola que derretera com o calor. Todas – sem exceção – fechadas.

– Ninguém leu?

– A maioria não. Não dá tempo.

– E quem lia?

– Todo ano mudam as pessoas. É muito deprimente. Ninguém aguenta muito tempo.

– Deprimente como? Não é Natal?

– Sabe aquela turma que não deixa o pessoal se jogar da janela? O maluco diz que vai pular, mas na verdade não quer pular, só quer falar com alguém. Então liga para um desses números e conversa. É a mesma coisa com as cartas. Só que o pessoal que lia foi murchando. Não tinha preparo para aguentar.

– Mas são cartinhas de crianças.

– Por isso mesmo.

– Quando chega o caminhão?

– Daqui a duas horas mais ou menos.

Assim que ficou sozinho, pegou uma das cartas e abriu. Leu rapidamente e jogou de volta na pilha. Fez o mesmo várias vezes até se encher. Ligou o rádio e ficou ouvindo enquanto aguardava.

As cartas já estavam sendo carregadas para o caminhão quando viu um envelope vermelho, decorado com corações desenhados à mão. Bonito, pensou. Curioso, separou para ler mais tarde.

Em casa, após o banho e antes de ver o jogo na TV, leu a carta.

 

Querido Papai Noel,

Meu nome é Sandrine e tenho onze anos de idade.

Ano passado eu fui muito obediente, mas você não me deu o presente que eu pedi. Fiquei muito triste e minha mãe me disse que você não pode atender todo mundo e por isso você me deu o estojo de pintura em vez da casinha de bonecas. Esse ano eu fui boazinha de novo e tomei conta da minha irmã todas as vezes que minha mãe teve que sair. Esse ano eu quero pedir pra você trazer o papai de volta pra casa. Eu sinto muita saudade dele e ele nunca vem aqui me visitar. Minha mãe acha que eu vou pedir a casinha de novo porque se ela descobrir que eu pedi pra você trazer o papai de volta ela vai brigar comigo. Eu ia mandar um retrato dele pra ficar mais fácil de você encontrar. Só que não achei nenhum retrato aqui em casa aí eu fiz um desenho pra mostrar como ele é. Agradeço muito a você Papai Noel. Mil beijos.

 

Viu com atenção os rabiscos coloridos e concluiu que todos os pais desenhados se parecem. Achou estranho que uma garota de onze anos ainda acreditasse em Papai Noel. Talvez manter a crença fosse importante para ela, deduziu.

Leu o endereço no verso do envelope. Teve o ímpeto de escrever uma resposta. Mas o que botaria no papel? Passaram–se quase dois anos desde que a carta fora enviada. A menina, hoje, teria uns treze. O que pensaria ao desdobrar uma folha assinada pelo bom velhinho? Uma folha com mensagens como “não encontrei seu pai” e “persista nos seus sonhos”. E se o pai tivesse voltado? Ou pior – se não tivesse voltado? Ela reviveria o desalento de antes, somado à humilhação de ter se exposto.

Três dias depois estava nos correios. Levava, embalada, uma grande casa de bonecas. Dentro, um cartão com quatro palavras:

Às vezes leva tempo.