Servido?

A mesa das famílias mudou muito nos últimos anos, para atender às necessidades de uma culinária mais prática – já que as mulheres não têm mais tempo para preparar massas caseiras (hummm), molhos encorpados de puro tomate, carnes bem temperadinhas, bolachinhas que derretem na boca ou goiabadas que ficam horas no fogo até dar ponto. O fato é que, para facilitar a vida doméstica , alimentar corpos que não se movimentam tanto ou motivar o consumo,  alguns conceitos culinários mudaram. O estímulo para se comer verduras e legumes é muito maior, e carne vermelha provoca narizes torcidos e discussões  polêmicas como a taxa de colesterol ou a prática primitiva de se comer bichos. Doces já são considerados politicamente incorretos hoje em dia, e os pequenos pouco sabem da gostosura de um doce de abóbora bem apurado, uma cocada, um doce de leite ou doce de banana secando ao sol. Rapadura já caiu de moda, e melado então, parece que desapareceu.  Imagine só falar em quebra queixo! Quem não conhece, pode imaginar as razões pelas quais um simples docinho de criança tem esse nome. Uma mordida faria  jovens mães de hoje correrem ao Procon para reclamar da consistência.

É fascinante como os costumes e a época provocam alterações à mesa. Mas os livros ou cadernos de receita não saem de moda, e toda casa tem um ou vários, começados e inacabados. Um bom caderninho de receitas é considerado peça de enxoval, e não precisa ser pra moça casadoira. É bem recebido pelo filho que vai estudar fora ou por quem mora sozinho.

Tive a chance de fuçar numas receitas muito antigas outro dia,  coisa de mais de 50 anos -  bagunçadas como as minhas (um dia arrumo, juro…) A caixa de camisas escrito “Receitas” com letra caprichada não guardava só receitas culinárias (que abusavam das frituras e carboidratos).  Havia também de tricô (coloque 80 pontos na agulha…), de produtos de limpeza, creme para cabelo, e aquelas frases-receitas-de-vida que todo mundo guarda. Muitas cartas com sugestões culinárias e inúmeros papeizinhos com anotações apressadas de receitas de doces e salgados.. As cartas eram manuscritas, e detalhavam em minúcias os procedimentos, acrescentando uns conselhos: “se for para o almoço, faça a torta bem cedo para poder tirá-la inteirinha do forno, pois se tirar quente ela se partirá. Não esqueça de mandar um pedaço para mim”.

Dicas de beleza também iam pelos correios, em letras femininas: “estou usando um preparado magnífico para o cabelo, faz parar a queda e dá uma cor muito natural com apenas dois dias de uso. Deixe de lado aquele óleo de lavanda que você usa, e compre o “Seiva Rica Flora, aqui custa 15$000 o vidro”.

Fazer cera caseira era muito simples (socorro!!) : “Junte 150 gr. de cera virgem, 25gr. de parafina, 1$000 de vermelhão francês, 1 litro de gasolina e uma vela”.

O verso de uma nota fiscal do Empório Paulista datada de 1958 e que descrevia a compra de  1/2 kg de manteiga fresca, 1 kg de feijão e  uma lata de massa de tomate tinha anotado a receita de empadinha, alternando xícara, chícara, assúcar ou açúcar – mas eu entendi perfeitamente.

Para o pé de moleque a receita pedia “um quilo e meio de açúcar mulatinho e uns duzentos réis de gengibre (querendo)”.  Algumas receitas indicavam porções de cremor de tártaro, que eu não sabia o que era. Mas um livrinho com capa colorida e a inscrição “Impresso nos E.U.A.”  acabou com o mistério, apresentando um novo produto: o Royal Baking Powder:  (pó Royal para “fornear”), descrevendo-o como “composto absolutamente puro, cujo ingrediente principal, o cremor de tártaro, é extrahido de uvas frescas e maduras. Accentua o bom gosto das iguarias preparadas com elle. Não se destina unicamente para a cozinha doméstica, mas é também usado nos importantes hotéis e restaurantes de todo mundo, bem como nos melhores vapores transatlânticos”.

Pena que a gula esteja incluída numa lista de pecados muito feios. Ainda bem que Deus é compreensivo.

Tertuliana DOCS
Acervo
Periódicos
A Cidade de Ourinhos A Folha de Ourinhos (1959) Correio do Sertão (1902 e 1903) O Contemporâneo (1917) A Voz do Povo (1927 a 1949) O Progresso de Ourinhos (1965 a 1977) Diário da Sorocabana (1958 a 1996) Debate (1977 a 1989) Tempo de Avanço (1968 e 1969) Balaio Cultural (2007 a 2012) A Gazeta Esportiva (1973 e 1974) A Voz do Estudante (1956 e 1966) Edição Eventos (1988) O Regional (1956) Tribuna Escolar (1958) Correio de Notícias
Fotos Filmes Exposição Termo de Uso Tutorial Créditos
Arquivo de Lembranças
Autores
Galeria Virtual
A(o)gosto das Letras