Angelina Rossignoli


Quando menina, Angelina morava na vila - chamada assim mesmo, só de vila - numa referência à vila Margarida, a vila dos Ferroviários em Ourinhos. Difícil imaginar o motivo pelo qual seu pai não a deixou freqüentar o ginásio, no antigo Instituto Horácio Soares: “É que era muito longe, o prédio ficava no meio do cafezal. Meu pai achava perigoso eu ir sozinha”, explicou, ressaltando que o antigo “Instituto” funcionava no mesmo prédio onde hoje recebe alunos que vem de toda a cidade. “A gente caminhava só pela avenida Jacinto Sá, que era a parte boa da cidade. Aqui pra cima estava começando”, explica.

O pai de Angelina também trabalhou na ferrovia: “Meu pai era maquinista. Naquela época era uma profissão muito importante... ”, lembra. O pai acabou influenciando a escolha da filha, que entrou na Rede Paraná São Paulo - Santa Catarina, (depois São Paulo - Paraná) com 21 anos, para cuidar da frequência do pessoal da Tração, um setor com cerca de 80 funcionários. A conversa com a antiga funcionária foi desvendando um universo de atividades inerentes àquele mundo. Por exemplo, você sabe o que fazia um guarda-freios? Segundo Luiz Antonio Ramalho, outro funcionário aposentado da ferrovia, guarda-freios era a função de um empregado que trabalhava em cima dos vagões. (Em cima mesmo, já ouviu falar em surfista de trem?) “Ele precisava conhecer a estrada de ferro como ninguém. Então, quando a composição se aproximava de uma descida, por exemplo, ele ia andando por cima dos vagões, freando um por um, já que a locomotiva não fazia isto”, explica.

Angelina foi contando das dificuldades do “melhor tempo” de sua vida, quando trabalhou nos escritórios da Rede. No colo, a edição do dia 11 de março de 2011 do jornal O Estado de São Paulo, leitura obrigatória de todos os dias. Passou anos trabalhando na Seção de Distribuição de Vagões. A rotina estafante e a pressão diárias a que se submetia faziam de sua função uma atividade quase tão perigosa como a do guarda-freios.... Os tempos eram outros, a produção agrícola na região era intensa e o transporte ferroviário era a única opção. A função de Angelina era definir quem iria transportar primeiro a carga. “Faltava muito vagão, era muita mercadoria: café, madeira, milho... Sempre tinha uns conversa-mole querendo passar na frente. Eu obedecia o critério que a empresa adotava, que era por ordem de chegada. Quem chegasse primeiro pegava o vagão, mas faltava muito vagão e a pressão era intensa!” Aos mais insistentes, ela esclarecia com firmeza: “Olha meu senhor, eu sou funcionária da Rede, ganho pra trabalhar e pra ser honesta. Ser honesta eu aprendi com meu pai e minha mãe. Eu preciso desse trabalho. Fale com meus superiores, se eles puderem fazer alguma coisa farão. Eu não posso”. Nesse período de grande movimento no transporte de cargas e passageiros em Ourinhos a jovem Angelina se divertia em bailes no Grêmio Recreativo de Ourinhos ou no Palmeirinhas, além de assistir a jogos de futebol que aconteciam “ali na Vila mesmo”. Mas a lembrança das filas no Cine Ourinhos provoca risadas: “Era mais gostoso ficar conversando ou paquerando na fila que dobrava quarteirões do que assistir o filme!”.

Uma preocupação aparece no rosto de Angelina: “Rosinha, tá sentindo cheiro de pano queimado? Não é aqui não?” A funcionária de muitos anos tranquiliza avisando que não, o fogo não era ali não, e convida para o café: “Pena que o bolo cresceu mais de um lado que do outro, acha que pode?” Angelina aproveitou a deixa e nos ensinou mais uma: “Você sabe o que era o “Pode”? Era um sinal que a estação dava para o maquinista, avisando que o trem podia sair. Meu pai era maquinista, e o trem não saía sem que ele tivesse com o “Pode” nas mãos. E finaliza, explicando novamente: “Foi o melhor período da minha vida, viu?”

 

 

Texto: Neusa Fleury

Texto publicado na edição 40 do Jornal Balaio Cultural de julho de 2011

 

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